quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Alabama Monroe (The Broken Circle Breakdown)

Fui assistir Alabama Monroe sem nenhuma pretensão por não saber nada sobre o filme, além da sua indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro, representando a Bélgica  "ponto". O fato do filme ter se configurado na minha mente como um completo mistério contribuiu para que ao sentar-me na poltrona do cinema, eu me sentisse como quem se prepara para um "passeio" de montanha russa e para que durante a minha permanência na sala do cinema eu tenha sentido cada curva, subida ou descida que o filme proporciona (propositalmente ou não).


O filme de Felix Van Groeninger é baseado na peça escrita pelo protagonista Joan Hedelberg que interpreta Didier. Alabama Monroe conta a historia de um casal, Didier, um musico aficionado pela musica country e cultura americana em geral, e Elise (Veerle Baetens), uma tatuadora que compartilha os interesses do marido. Os dois vivem um amor perfeito, até que, de forma inesperada, Elise fica gravida de Maybelle, que ,com pouco tempo, se torna parte principal da vida country e americanizada do casal. A situação só passa a ser dramática quando Maybelle é diagnóstica com leucemia e a família perfeita se afasta aos poucos da realidade dos protagonistas.

O começo do filme me empolgou muito com a musica de bluegrass "The Broken Circle Breakdown" que subtitula o filme e que carrega na letra uma ideia de ciclo, que na minha visão é muito interessante para um filme acronológico como esse. Essa minha animação inicial , infelizmente, não durou muito, a relação entre os protagonistas  parece forçada a medida que eles tentam nos vender um casal perfeito e feliz e com a descoberta da doença da filha o filme cria um clima clichê de historia de superação. Mas eu só comecei a me incomodar quando tudo na tela do cinema começou a ficar americanizado. Sem nenhuma explicação, a bandeira americana começa a aparecer por todo lado, 
a iluminação repete o vermelho, azul e branco e eu ,como espectador perdido naquele filme, me perguntava "que tipo de bajulação é essa?".

Ainda bem que qualquer boa montanha russa tem descidas, mas também tem subidas, e , para o meu alivio, Alabama começa a sua. Didier e Elise percebem a aproximação da morte com a situação de Maybelle e esse é o cenário da grande discussão do filme. O marido é ateu e condena qualquer tipo de crença religiosa, mas quando a sua filha, já muito doente, diz acreditar que quem morre vira estrela, ele sede, com muito esforço, à necessidade da filha e aceita asua crença.  Com a morte da filha deles, os dois se tornam símbolos de uma má lembrança e isso impede que relação siga em frente, mesmo que haja esforço por parte do marido para manter-la . O filme argumenta sobre a necessidade da religião assumindo o ceticismo de Didier  como sua crença, aonde os EUA assumem o posto de paraíso e , inevitavelmente, o seu amor por essas teorias não dá espaço para a crença cristã que Elise usa como proteção e gera a fúria responsável pelo ponto final no relacionamento.



O caos e o sofrimento dos personagens em profunda perdição misturados com a delicada discussão sobre fé, deveriam ser carga emocional e informação demais para o espectador, mas a edição engenhosa dá o "timing" perfeito para que as informações sejam absorvidas, as reflexões feitas e o sofrimento amenizado. Tudo dando certo em Alabama Monroe, mas o filme não pode acabar sem que seja dada a ultima cartada na discussão levantada. O sofrimento insuportável mata Elise que, no momento mais emblemático do filme, revive momentos felizes de sua vida em "flashs" de vermelho, azul e branco como representação do paraíso de Didier. Depois daquela cena o filme tinha o tom certo para acabar e deixar no ar a discussão já muito bem encaminhada, mas o diretor decidiu dar razão a crença de Elise, a transportando para o plano espiritual e assim dando a aquele debate um fim tosco e inesperado. E assim acaba Alabama Monroe, como a montanha russa que é, o filme tem seus altos e baixos mas que vale a pena pelas motivações que assumiu e pela questão levada que, independente do desfecho do filme, fez muita gente refletir sobre a necessidade humana de acreditar.

NOTA: א א א א א א א 


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Rush: No Limite da Emoção (Rush)


 Todo esporte possui uma simbologia, uma razão cultural. No caso da formula 1 a simbologia é essencial e está em cada detalhe. Está na dependência da tecnologia, está na vontade de ser o mais rápido e, por ventura, campeão e está na velocidade que lhes aproxima da morte e constroem os ídolos  que deveríamos chamar de corredores e não de pilotos. O embate entre o austríaco Niki Lauda e o inglês James Hunt é um clássico da mitologia do esporte e está muito bem representado por Chris Hemswort e Daniel Bruhl em Rush - No Limite Da Emoção.

A rivalidade entre os pilotos começa na formula 3 e continua com o começo da carreira dos dois na F1. James Hunt era festeiro, garanhão e impulsivo (um papel fácil para Chris) e Niki Lauda era profissional, frio e  calculista. As diferenças são trabalhadas pela alternância de cenas que propõe constante comparação e são utilizadas como combustível para os conflitos entre os protagonistas. A construção da ideia de antítese entre os personagens  se reforça com a lapidação de suas personalidades ao longo do filme e por fim estabelece a dependência que, para o diretor, é a principal característica da relação entre os corredores.

O diretor americano Ron Howard impressiona em Rush por sua sensibilidade em relação a formula 1, um esporte quase ignorado nos estados unidos. Além de mostrar que entende as motivações e impulsos dos pilotos, ele se mostra engenhoso em cenas de corrida usando uma fotografia que, acompanhada da trilha excitante de Hans Zimmer, aproxima o espectador dos protagonistas e intensifica a tensão de uma forma que a televisão não mostra e que nem os mais aficionados pelo esporte jamais viram.

Muito esforço é feito para entender e representar as motivações dos pilotos, no entanto toda a tensão que existe no filme se dá pelo "background" e nunca pela corrida em si, o que não desqualifica o filme mas o impede de ser excepcional. Não é excepcional, mas é definitivamente um filme memorável que trata com minúcia e respeito as simbologias e conflitos desse esporte feito de personalidades "semi-misticas"..


"I dont give a shit for fame, I dont give a shit for society, I dont want to make friends with important people. I just want to win." 
  Nelson Piquet.

NOTA: א א א א א א 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Frances Ha




Dirigido por Noah Baumbach e escrito por ele em conjunto com a protagonista do filme Greta Gerwig, nesse filme, acompanhamos Frances, uma jovem de 27 anos que, junta de sua amiga Sophie, formam uma dupla de melhores amigas que recusam-se a amadurecer (notam-se os diálogos, que, infantilmente, sempre giram em torno de suposições sobre o futuro, nunca do presente) com tal determinação que Frances até termina um relacionamento por recusar-se a se mudar para longe da amiga. Porém, quando chega o momento de Sophie tomar as rédeas da vida adulta, esta não hesita e se muda, deixando Frances ao léu.

Após essa introdução, acompanhamos Frances em sua luta, tanto pessoal quanto econômica, visto que trabalha como assistente de dança, porém, não tem realmente habilidades para ser uma bailarina, enquanto sua amiga amadurece, arranja um namorado e até se muda pro Japão, transtornando Frances a ponto de fazer uma rota de fuga com direção a França, e tudo isso recheado com uma trilha sonora escolhida excepcionalmente bem, com músicas que giram em torno dos dilemas da protagonista (Every 1's A Winner, Modern Love, etc.)

Na combinação de um diretor de estética indie com uma atriz participante do movimento Mumblecore (realismo nos diálogos e situações, bem como o baixo orçamento) é fácil de acreditar que esee será um futuro filme cult. Alguns até acreditam ser ele um sucessor do clássico Manhattan, principalmente pela fotografia em preto e branco e por se passar em Nova Iorque, sem falar nos personagens muito bem elaborados, principalmente Frances, que desajeitada e infantil, chega até a chatear alguns, o que não é ruim, na verdade, torna sua personalidade ainda mais marcante.


Frances, em um de seus bicos, encontra sua melhor amiga e descobre que ela vai se casar, mas Sophie acaba irritando o namorado por estar embriagada e acaba dormindo no apartamento de Frances, vivendo sua amizade infantil uma última vez, já que, no dia seguinte, Sophie segue seu caminho e Frances finalmente amadurece, arranja um emprego que a mantém e é, então, explicado o título do filme na última cena, em que ela põe seu nome, Frances Hallaway (abreviado em Frances Ha) em sua caixa de correio, representando a finalmente adquirida independência e maturidade.

NOTA: א א א א 
א א  

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O Álef

Em meu conforto tedioso
a noite olhou para mim.
Não havia muito a ser visto
tristeza
fadiga
aridez.

A surpresa de uma beleza universal
um ponto infinito
encheu o meu olhar perdido
me trouxe a tona o religioso.

Eu via a perfeita combinação de cores
vi cores que não existiam.
vi memórias, sonhos e temores
vi o suficiente para saber que todas as imagens do mundo
perfuravam minha íris.

Eu vi a criança mais linda e a mais feia
vi coisas que vocês não imaginariam
a violência e ódio humano na ponta de uma bengala
o homem consumido pelas trevas
o sangue avermelhar heróis em amarelo
vi azulados a perdição e o amor.

A mais curva sensibilidade
e  mais aprumada virilidade
a grande beleza
vivacidade in natura
Eu vi cada grão de areia
cada gota do mar
cada sopro do vento
cada pedaço de universo.

Eu vivi e morri
vi deuses e super-homens
sentimentos ainda por serem criados
vi amores indescritíveis 
vi Borges confortado pelas barras de madeira de um porão

vi a tristeza
a fadiga
e a aridez
no meu rosto regado de lágrimas 
e eu soube, enfim.
Soube que vivia entre os espelhos do homem
no divino e no profano
vi na fresta da minha alma 
demasiado humano
Álef.